Qual é a importância do brincar para o desenvolvimento infantil ?



A brincadeira é um espaço de interação e de confronto. É através dela que a criança e o grupo constróem a sua compreensão sobre o mundo e as ações humanas. Não é atividade espontânea, antes se constrói através das experiências de contato social, primeiro na família, depois nos grupos informais e depois na escola, ou simultaneamente. Representa o elo de ligação entre a criança e a cultura na qual está imersa. Produz e responde indagações e abre espaço para experiências impossíveis em outros contextos da vida, o que promove comportamentos que vão além das possibilidades atuais da criança, apontando para sua área potencial de desenvolvimento.

Fátima Camargo


Através de uma brincadeira de criança, podemos compreender como ela vê e constrói o mundo - o que ela gostaria que ele fosse, quais as suas preocupações e que problemas a estão assediando. Pela brincadeira, ela expressa o que teria dificuldade de colocar em palavras. Nenhuma criança brinca espontaneamente só para passar o tempo, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não a entendemos.


Bruno Bettelheim


Brincar é um componente crucial do desenvolvimento, pois, através do brincar a criança é capaz de tornar manejáveis e compreensíveis os aspectos esmagadores e desorientadores do mundo. Na verdade, o brincar é um parceiro insubstituível do desenvolvimento, seu principal motor. Em seu brincar, a criança pode experimentar comportamentos, ações e percepções sem medo de represálias ou fracassos, tornando-se assim mais bem preparada para quando o seu comportamento "contar".


Howard Gardner


Crianças quando jogam são sérias, intensas, entregam todo seu corpo, toda sua alma para o que estão fazendo. Jogar com regras e obedecer algo que foi aceito é a entrega, a obediência no sentido filosófico do termo, porque se aceitou livremente e convencionalmente jogar e ganhar ou perder dentro de certos limites.

Os adversários são as melhores pessoas que podemos ter, são nossos amigos, temos que saber tudo sobre eles, temos que pensar como eles, temos que reconhecê-los, temos que tê-los como referência constante para um diálogo consigo mesmo. Um diálogo em um contexto democrático em que as condições são as mesmas, em que ganha o melhor nesta partida, porque uma outra partida é uma outra partida.

O jogo desenvolve a competência e a habilidade pessoal, ou talento, para enfrentar problemas e resolvê-los o melhor que se possa. É inevitável para ganhar, coordenar diferentes pontos de vista, antecipar, compreender melhor, ser mais rápido, coordenar situações, ter condutas estratégicas, estar atento, concentrado, ter boa memória, abstrair as coisas e relacioná-las entre si o tempo todo. E esse desafio se repete a cada partida.

Um jogo parece só um jogo, uma brincadeira, mas não é. Trata-se de um momento de significativo e importante crescimento pessoal.


Lino de Macedo


Lendo estas afirmações, formuladas por estudiosos e educadores na área de Educação, é possível compreender a importância do jogo e da brincadeira para o desenvolvimento infantil e a razão pela qual o BRINCAR foi colocado nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil como uma área de conhecimento a ser trabalhada, com o mesmo cuidado das demais áreas, como Português, Matemática e outras.

Marina Marcondes Machado, brincando criativamente com as palavras, nos diz que o brincar é importante para a criatividade. Fátima Camargo considera como um espaço de interação, construção do conhecimento de mundo e uma forma eficiente de saber como a criança está pensando. Bettelheim sente a brincadeira como momento de expressão do processos psíquicos pelos quais a criança está passando. Gardner afirma que o brincar é o principal motor do desenvolvimento, promovendo a autoconfiança pois permite que a criança experimente o mundo sem medo. Lino define o jogo como uma vivência que promove o desenvolvimento de competências e habilidades para enfrentar problemas.



Para Lino de Macedo, o brincar aparece estruturado basicamente em três modalidades:

Jogo de exercício - movida pelo prazer, através da repetição, a criança tem como conseqüência a formação de hábitos, tornando-se fonte de significados, ou seja, de compreensão das ações. É a matriz da regularidade. Possibilita as assimilações que integram o homem ao meio. É a principal forma de aprendizagem no primeiro ano de vida. Possibilita que a criança conheça as coisas por si mesma. A estrutura do jogo de exercício faz parte fundamental das outras estruturas dos jogos. São a base do COMO das coisas.

Símbolo - caracteriza-se pelo fato de a criança considerar, "A" por "B", o conteúdo que assimilou através do jogo de exercício. A assimilação é deformante - a criança assimila como pode ou deseja. A criança se torna produtora de linguagens, criadora de convenções, firma vínculo entre as coisas e suas possíveis representações, possibilita a compreensão de convenções arbitrárias. São um prelúdio das futuras teorizações da criança. É a base do PORQUÊ das coisas.

Jogo de regra - Herda as características do jogo de exercício, pela regularidade das jogadas e do jogo simbólico, devido aos combinados arbitrários. Inaugura a assimilação recíproca por seu caráter coletivo, cuja regularidade é intencionalmente consentida, e pela busca de convenções em comum. Integra o COMO e o PORQUÊ das coisas.
Qualquer objeto colocado à disposição das crianças (brinquedos, jogos de construção, sucata, elementos da natureza, objetos do uso cotidiano do mundo adulto, tabuleiros, dados, etc.), permite que elas utilizem-no em uma ou mais dessas modalidades, ou seja, no jogo de exercício, simbólico ou regra, de acordo com suas capacidades, necessidades ou desejos. Cabe aos profissionais de educação garantirem o espaço, o tempo e as condições para que as brincadeiras aconteçam na escola na sua essência e diversidade. A participação do educador deve orientar-se pela observação, registro e reflexão com objetivo de encontrar formas de intervenção que, mantendo a essência do brincar, tornem possível a construção de novas aprendizagens.



No jogo de exercício, o educador pode observar, através dos movimentos que as crianças fazem, o que estão descobrindo sobre um objeto ou sobre o resultado que seu próprio movimento provoca no mesmo; quando uma criança passa a ter movimentos cada vez mais intencionais com objetivo de formular um novo conhecimento ou constatar uma hipótese; que hábitos de investigação a criança está formando; que habilidades está aprimorando e que relações está fazendo entre seus movimentos e os objetos e entre estes últimos.
Através do jogo simbólico o educador pode perceber os conteúdos que as crianças estão atribuindo aos objetos e, os gestos e falas, indicam como elas acham que estes conteúdos funcionam e para que servem. Os personagens que vivenciam no faz-de-conta, revelam que definição fazem dos diferentes papéis que compõem as relações humanas. Observando seus alunos brincando, o professor pode constatar as lideranças do grupo e temas que estão mobilizando o interesse do mesmo.
A participação das crianças no jogo de regras torna explícita a compreensão que elas têm da estrutura do jogo, da importância de alcançar o objetivo do mesmo e que estratégias e conhecimentos utilizam para alcançá-lo. Nesta atividade, o educador pode perceber se as crianças já conseguem entender o ponto de vista do outro e como lidam com o fato de serem perdedoras ou vencedoras.


Como o professor pode garantir a memória do que acontece com o seu grupo de alunos no decorrer do dia, das semanas, do ano letivo?

A forma de garantir esta memória é o registro. As anotações do que foi ou está sendo observado, é um importante instrumento para que o professor possa fazer a análise de sua prática e dos seus alunos. O registro pode ser feito de duas maneiras básicas: registro no ato - colocando-se no papel de observador, o educador registra detalhadamente tudo que acontece durante os jogos citados acima, principalmente por se tratarem de momentos ricos em aspectos cognitivos e afetivos de cada criança e do grupo e registro diário ou semanal - quando o educador realiza uma parada, distante dos fatos e atitudes, para registrá-los. Esta segunda forma de registro pode estar pautada na revisão das anotações feitas durante o registro no ato ou através de sua memória recente. Pode descrever as atividades realizadas de forma mais geral, mas tentando descobrir o que determina ou está por trás de cada fato e de cada atitude. O registro após uma atividade ou um dia de trabalho permite ao educador uma reflexão que o leva a conhecer mais seu grupo de alunos, pensar sobre seus objetivos educacionais e planejar um trabalho de intervenção pedagógica possibilitando que estes mesmos alunos alcancem os objetivos desejados.



Nas três modalidades do brincar, o educador deve intervir oferecendo materiais, espaço e tempo adequados para que a brincadeira aconteça na sua essência, ou seja, movida pelo desejo, garantindo o desenvolvimento organizacional, imaginativo e da capacidade de construção de conceitos e conhecimentos pessoais de seus alunos. O adulto pode estimular a imaginação das crianças, despertando idéias, questionando-as para que busquem uma solução para os problemas que surgirem ou mostrando várias formas de resolução, promovendo um momento de opção pela alternativa que acharem mais conveniente. Outra forma que o educador pode utilizar para estimular a imaginação das crianças é servindo de modelo, brincando junto ou contando como brincava quando tinha a mesma idade que elas.
Os jogos de construção fabricados e feitos pelas próprias crianças ou professor (sucatas pintadas, caixas forradas) devem estar organizados de forma clara e lógica, em local acessível para os alunos e devem ser guardados pelas crianças que os utilizaram. Algumas vezes, elas guardam os materiais de maneira diferente da original. Quando isto acontece, é interessante observá-las ou questioná-las sobre quais critérios utilizaram para determinar a nova forma de organização.
Enquanto brincam, o educador pode sugerir formas novas de construção e socializar as descobertas das crianças para o grupo.
No momento de realizar a distribuição dos materiais entre as crianças, o educador deve deixar claros os critérios que utilizou e eventualmente delegar para um ou dois de seus alunos o seu papel nesta tarefa. Quando as crianças distribuem o material, o professor deve deixar que elas utilizem seus próprios critérios e que os injustiçados reclamem pelos seus direitos caso se sintam desta forma. A intervenção direta, mostrando a maneira mais justa de distribuir um material, só deve ocorrer se for estabelecido um impasse ou se as crianças pedirem a sua ajuda. Podemos observar na prática, o quanto as crianças constróem conhecimentos em relação às quantidades, através da comparação do que cada uma recebeu, com objetivo de argumentar a defesa de seus direitos.
O jogo simbólico deve ter um canto ou sala especial. Este local deve estar equipado com fantasias, roupas velhas, panos, utensílios quebrados (telefone, teclado de computador, secador de cabelos etc.), caixas, maquiagens e brinquedos fabricados para este fim. Um espelho próximo serve para que avaliem a construção de suas personagens. Alguns temas mais freqüentes podem estar organizados em caixas separadas de antemão, como: casinha ou super - heróis; com o tempo, outras caixas temáticas podem ser organizadas, quando algum tipo de brincadeira se tornar freqüente no grupo, como: médico, castelos, supermercado e outros.
Nenhum tema deve ser censurado por ser considerado violento ou amoral, seja polícia e ladrão, violência doméstica, questões relativas à sexualidade e outros. Qualquer conteúdo que apareça no faz-de-conta, já foi vivenciado de alguma forma na vida real e, através do brincar, a criança pode compreendê-lo melhor e, se necessário, ser ajudada em suas dificuldades.
Observando os seus alunos brincando, o educador deve intervir para garantir que nenhuma criança exerça sua liderança de forma autoritária e também para promover o rodízio de papéis e de comando entre as crianças nas brincadeiras.
No jogo de regra, a intervenção inicial do educador é mais intensa. As regras são arbitrárias e o educador deve garantir que todos os participantes tenham uma compreensão mínima para que o jogo possa acontecer. Para tornar isto possível, o professor deve analisar os conteúdos necessários para compreender a essência de um determinado jogo e verificar os conhecimentos prévios de seus alunos, constatando se o jogo é adequado ou não. Iniciada a partida, o educador pode ajudar os seus alunos a relacionarem os aspectos parecidos entre o jogo novo e os jogos conhecidos pelo grupo e comandar o jogo até que as crianças possam jogar de forma mais autônoma.
Os jogos que as crianças já souberem jogar sozinhas devem ficar disponíveis para os momentos em que a classe é dividida em subgrupos e o educador precisa dividir a sua atenção.
Certamente, outro fator que exigirá a intervenção do professor é o da competição. Neste momento, o educador deve ressaltar o caráter coletivo e democrático do jogo, que dá condições iguais de vencer a todos os jogadores e oferece a repetição da chance de ganhar, pois na próxima partida todos partem do zero novamente.
As atividades do brincar poderão ser planejadas ao lado das outras áreas, através da articulação de temas e projetos educativos cuja origem seja a mesma.
A intervenção do educador é necessária e preciosa, desde que conceda à criança o direito de brincar como pode e deseja.





Bibliografia:

MACEDO, Lino de. A importância dos jogos de regras para a construção do conhecimento na escola.
Universidade de São Paulo/Instituto de Psicologia/Laboratório de Psicopedagogia.

BETTELHEIM, Bruno. Uma vida para seu filho.

MACHADO, Marina Marcondes.O brinquedo - sucata e a criança. São Paulo: Edições Loyola.

GARDNER, Howard. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas.

CAMARGO, Fátima. Considerações acerca do jogo. Espaço Pedagógico.

Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil - Brincar. Versão -Preliminar - dezembro/1997.





3 comentários:

Anónimo disse...

Adorei este post! Parabéns!

Temos que incentivar a ludicidade na educação!

Abraços, Michelle

Simone1 disse...

Olá Silvana, parabéns pelo blog, o conteúdo é riquíssimo. Continue publicando matérias que muito contribuem com nós educadores e outros profissionais.
Um abraço
Simone A. Guerra
São Paulo/SP

Anónimo disse...

Oi, Silvana, é a primeira vez que visito seu blog, estou amando, vc é demais!!!!!!!um abraço. Ioneide- Profª de E.I., nível I e II.Natal, RN